Cubo Mágico

aqui tinha artes, teatro, cultura digital e crônicas contemporâneas

Archive for the ‘Contemporâneos’ Category

Ando assim: quase chovendo pra burro

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4 ou 5 frases-desabafo retiradas de um texto alheio:

nuvem

Carta aberta para um amigo além-mar

João Paulo Cuenca

Caro Chico, li o e-mail que você me mandou mas não tive tempo de respondê-lo antes. Fico feliz em saber que tudo vai bem por aí: os estudos, o trabalho e a mulher. Manda beijo pra Ana. Tenho saudades de vocês, temo que fiquem por aí de vez. Há dias em que acho que seria bom negócio. Lembro que você estava assustado com a leitura dos jornais brasileiros pela internet e me perguntou se o bicho estava pegando mesmo por aqui.

Está, não está. Tudo continua dando um jeito diferente de continuar igual. Os senhores barrigudos de sunga continuam tomando chope no boteco da esquina da Paissandu, as meninas com roupa de lycra continuam rebolando pelos quarteirões e os sujeitos continuam cada vez mais fortes e altos – se continuar assim, nossos netos terão dois metros de altura e 130 quilos. O nosso Mengão continua numa eterna hora da xepa, sétimo técnico em 16 meses. Fluminense levou o título do estadual num jogo roubado (como sempre) e a seleção do Parreira continua com o jogo embaçado.

A maioria dos nossos amigos continua encostada na casa dos pais, reclamando da vida, sem bom emprego e grana no bolso. A TV continua cada vez pior e cada vez mais batendo recordes de audiência, 80% de share, retorno total de mídia. A música que toca na rádio continua cada vez mais conchavos e jabá. A polícia continua metendo bala, os traficantes também. Lula, Garotinha e César continuam agindo como três patetas do inferno. E o povo na mesmíssima: esgarçado no meio do tiroteio. A coisa aqui, meu caro, tá pretíssima.

Nunca saí tão pouco à noite. A última moda são aquelas festinhas anos 80, lembra delas? Perderam a graça em 95, mas ninguém notou. Por semana aqui no Rio são no mínimo dez. Lotam o Circo Voador. No século passado, o Circo lançava tendência. Hoje em dia a tendência é a banda cover de música ruim. Barrigudinhos de 30 anos que não viveram adolescência se olham no espelho retrovisor, ajeitam a camisa para dentro da calça, tentam recuperar tempo perdido. Adolescentes difusos pegam nostalgia emprestada – zumbis de olhar ermo, mendigando sentido. Tocando o gado, os organizadores ganham boa grana com a indigência existencial dos outros. E quer saber? Estão certíssimos. Há de se ganhar o qualquer um e a vida.

Sabe aquela música do Bob Dylan, “People are crazy and times are strange”? Não chego a ficar raivoso como antes. Você deve se lembrar como eu era, Chico. Hoje só consigo sentir vazio e pena. Uma enorme pena de todos nós. Dos coroas filtrando o chope dentro de suas enormes barrigas, das moças e marombados feitos de lycra, dos chatos do Estação Botafogo, das mini-celebridades da internet compartilhando solidão em diários insossos, da galera se esgoelando ao som da novidade de 20 anos atrás, dos velhos jornalistas e sua boêmia enlatada, dos novos jornalistas, sem sonho ou estofo, e dos jovens e velhos escritores, compulsivos, mascando palavras e mascarando vaidades. Pena dos três poderes: policiais, traficas e políticos. Pena do povo achando que não tem culpa, que não é com eles – digo, conosco.

De vez em quando, passa um filme no cinema ou ouço um disco bom. De vez em quando, gosto de levar a menina para dançar e às vezes dá para ir a um lugar que não esteja cheio de babacas. Fazemos um casal bonito e a amo como um pobre desesperado. Eu a transformei em personagem de crônica e os leitores gostam mais dela do que de mim. Pedem crônicas e mais crônicas sobre a menina triste de olhos verdes. Estão certíssimos. Eu também gosto mais dela.

Você contou que viu um cara muito parecido comigo no metrô de Londres. Pois talvez tenha sido eu. Se o encontrar de novo, diga que preciso de uma horinha comigo mesmo. Sabe quando o céu escurece, as nuvens pesam sobre as nossas cabeças, o ar e a luz do sol ficam de um jeito estranho e o pessoal fala “vai chover pra burro”? Ando assim: quase chovendo pra burro.

Novidade mesmo acho que só o novo sistema de ar-condicionado e iluminação do Lamas. Ficou mais bonito. Resta saber se aquele odor inconfundível pós-Lamas, de cigarro e mofo, vai continuar. O perfume do Lamas é uma tradição aqui em casa. Desculpa tanta chatice, meu amigo. Acho que preciso de um tempo por aí. É verdade que na Inglaterra não existe chope gelado? Estou ficando velho cedo demais. Preciso sentir falta do chope gelado. E da paisagem. Essa cidade é muito bonita e a gente se acostuma. Na verdade, se acostuma com tudo, não é? Boa sorte por aí. Manda notícias. E não me leve a mal. Um grande abraço, JP.

Written by Lucas Pretti

junho 14, 2009 at 15:19

Publicado em Contemporâneos

The Comedian, nas bancas

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Eu ACABEI de falar no post abaixo em como a cultura de hoje destrói os significados dos signos e símbolos e eis que um exemplo me surge na cara. Fui ver a premiére de Watchmen hoje, filme baseado nos quadrinhos de Alan Moore. A imagem que resume a história é o símbolo da morte do The Comedian, o smiley com uma gota de sangue.

Saí do cinema e dei de cara com a capa da Veja, que, justamente na semana de estreia de Watchmen, coloca um smiley amarelo na capa, relacionado à crise financeira internacional. Não pode ser coincidência…

O lindo é ver que, no final do filme, o diretor Zack Snyder também ironiza essa desconstrução pós-moderna, quando um jornalista vestido com uma camiseta de smiley deixa cair um pouco de catchup na roupa — e qualquer referência ao Comedian é destruída pelo acaso.

As coisas demoram para ser construídas. E vão embora em qualquer acaso.

—–

PS: btw, eu, Bruno e Matias escrevemos sobre Watchmen no Link desta semana:
http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=15398
http://1ou2escritos.wordpress.com/2009/03/02/a-narrativa-transmidia-a-partir-de-watchmen/

Written by Lucas Pretti

março 3, 2009 at 2:14

Barba Negra S/A

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Dando sequência ao plano de subverter o mundo e transgredir a ordem da imprensa, uma matéria sobre pirataria com o mínimo de hipocrisia e conservadorismo possível. Digo mínimo porque  a gente ainda não chegou ao ponto de dar os torrents com mais seeders e leechers. Mas todo mundo já sabe mesmo, não precisa de jornalista pra isso. Aliás, precisa de jornalista pra quê?

Ei-la:

Somos todos piratas?
http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=15266

Ou aqui a página na íntegra:
http://1ou2escritos.wordpress.com/2009/02/02/todos-somos-piratas-entao-por-que-esconder/

Written by Lucas Pretti

fevereiro 2, 2009 at 15:43

O Pânico fudeu o teatro. E o Macunaíma ajudou

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Concordo com o Nando quando ele diz que a culpa pela bandalheira em torno da profissão de ator é dos próprios atores e da famosa “classe teatral” (aliás, o q é isso na prática?). Alguém viu Pânico no último domingo? Com a ajuda da tradicional escola de atores Macunaíma, os caras conseguiram banalizar todo um processo, metodologia, carreira, profissão, proposta artística. E com o Macunaíma macomunado. Puta absurdo.

A história era que o Ceará (Silvio Santos) deveria “treinar” para ser contratado pelo SBT para ser “galã de novela”. No Macunaíma, ele passou pelo que chamaram de “aulas” (uma gritaria, correria, caras e bocas com uma direção bizarra. O “professor” dizia: “Isso, expresse felicidade, a felicidade por estar aqui”). Aí ele teve meia hora para “decorar” uma cena de Nelson Rodrigues e subir no palco, com luz, figurino, cenário, tudo pronto. Ah, me desculpe.

Depois, a tal professora do Macunaíma, Laura, deu entrevista para o Vesgo. Medíocre, ele fez a mesma pergunta idiota de sempre: o beijo é de verdade? Ela disse que não, claro. Ele pediu então para beijar ela “de mentira”. Eles pegaram duas falas quaisquer e se beijaram. E o Vesgo arrancando a blusa da mina.

Depois disso, vc acha que um pai vai deixar a filha fazer teatro? Vão se fuder o pessoal do Pânico e do Macunaíma.

Written by Lucas Pretti

dezembro 11, 2008 at 15:47

A história das coisas

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Já ouviu falar no vídeo Story of Stuff? Eu conheci só há algumas semanas. Conta a história do capitalismo e como chegamos a essa merda de mundo em que os chefes mandam mesmo e a gente que obedeça ou que se foda ao ponto em que estamos. Minha visão de mundo está muito resumida ali, a não ser pelo viés ambientalista. Na verdade, os ambientalistas têm o mérito de propor uma solução, mesmo que meio over. Problema são as pessoas como eu, que só reclamam.

Mentira, eu acredito nas artes…

E daí, né?

O vídeo tb está no YouTube, mas é melhor ir por este link aqui (legendado e inteiro): http://www.unichem.com.br/videos.php. Você poucas vezes gastou 21 minutos tão bem.

Story of Stuff

Me fez lembrar este outro da SOS Mata Atlântica:

Written by Lucas Pretti

novembro 25, 2008 at 0:24

Não temos culpa. Merecemos perdão?

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Veja como pode ser perigosa ou esclarecedora a livre associação de conceitos.

Estudando sobre o teatro russo, chegamos inevitavelmente à discussão sobre comunismo. Mesmo porque Anton Tchékov, o autor das peças O Urso e O Pedido de Casamento (que estrearemos em dezembro), viveu no período exatamente anterior à Revolução Soviética. O conceito teórico de “sovietes“, os grupos de cidadãos que se governam a si mesmos, é lindo. Trabalhadores sem patrão decidiriam quanto e como produzir, como seria a divisão dos bens produzidos e a troca de produtos com outros sovietes (o que alimentaria toda a sociedade de todo tipo de material, tudo comum).

Mas não deu certo, como a História provou na URSS, Cuba, Portugal etc. – e parece não haver qualquer dúvida disso. Por quê? Há mil explicações, claro; trezentos milhões de debates já foram realizados em torno disso, e até hoje uma galera nega a falibilidade da coisa. Uma das justificativas a que chegamos nos estudos sobre teatro é que os sovietes derreteram por causa da natureza humana, avessa à democracia pura, socialista.

Nenhum sistema, por menor que seja (como um grupo de teatro, uma redação de jornal), funciona sem comando, por menos autoritário que seja. A liderança, mesmo que sutil e alimentada pelos liderados, acumula poder, nem que seja o da influência. Duas obras de arte recentes mostram e criticam muito bem isso.

O dinamarquês Lars Von Trier, em Dogville, é muito claro em escancarar a natureza humana selvagem, que acaba humilhando e escravizando uma desconhecida quase que gratuitamente, apenas porque havia um ser sobre o qual era possível ter poder (a partir de chantagem). Grace, a personagem de Nicole Kidman, em discussão com o pai mafioso, solta a frase “Os cães não tem consciência nem decidem sobre sua natureza. E por isso devem ser perdoados”. Ela na verdade está falando de humanos. Não conseguimos alcançar o lugar dentro de nós que gira a chave da busca por poder. Então merecemos ser perdoados?

Em Ensaio sobre a Cegueira, o português José Saramago leva ao extremo a opressão do humano pelo humano. Quando todos estão cegos, alguns buscam poder escondendo comida e pedindo objetos e favores sexuais em troca. Era um momento que a união talvez fosse decisiva para tirá-los da situação de exclusão. Os próprios humilhados, por serem vingativos, acabam alimentando o sistema. Mas fazer o quê? Se perdoassem, talvez fossem arrogantes (no conceito trazido em Dogville): o perdão, no filme, é o mais arrogante dos gestos, pois mostra ao perdoado toda a suposta superioridade de quem está perdoando. Difícil haver pureza de fato.

Com tudo isso, a discussão leva naturalmente a justificar os regimes autoritários. Seriam “naturais”, “essenciais” de acordo com a natureza humana. A democracia poderia ser a forma artificial encontrada para todos sobreviverem, já que de outra forma a espécie seria dizimada, autodestruída. E mais: os ditadores deveriam ser perdoados. É da natureza deles, como os cães.

Pior ainda. Concluimos com tudo isso que é humano ser capitalista. Certo ou errado?

Sobre não ter filhos e os conselhos de estrupícios

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Eu não penso em ter filhos. Não considero a possibilidade. Desconsidero a possibilidade.

Quando admiti isso pela primeira vez, me senti um maldito egoísta que não gostaria de dividir sua grana com um rebento e que pretendia contribuir para a evolução do do mundo de outra forma, com textos e cenas, por exemplo. Com o tempo, vi que, se não toda a geração, muitas pessoas próximas também pensavam assim. E passei a não ter vergonha de divulgar (ou assumir a opinião) mesmo diante dos mais reaças da família.

Hoje, li no blog do Alex Castro que ele também está nessa. Ele teorizou sobre o assunto, num texto delicioso de tão engraçado e epifânico de tão próximo da minha opinião (impossível deixar só nas Coisas lidas, ao lado). Dois trechos:

Finalmente, depois que falo tudo isso, sempre vem um estrupício, bate no meu ombro carinhosamente e diz, com o ar bonachão de uma cassandra que tudo sabe:

Pois guarde minhas palavras, Alexandre, você pode não querer agora mas daqui a pouco vai querer… Em dez anos, vou encontrá-lo cheio de filhos…

E eu, imperturbável, pergunto se ele tem vontade de comer merda.

Bem, continuo, bonachão e vaticínico, guarde minhas palavras, você pode não querer agora mas daqui a pouco vai querer… Em dez anos, vou encontrá-lo empanturrado de cocô…

(O mais chocante da história é que todo mundo acha o meu comentário grosseiro mas consideram o absurdo que tive que ouvir a coisa mais normal do mundo. Vai entender!)

Se você vê uma criança empolgada, correndo feliz, conhecendo o mundo, descobrindo o próprio corpo, perguntando sobre o universo, e se isso te incomoda, se isso não derrete seu coração, se tudo o que você quer é que ela se comporte como uma boneca e fique calada e sentadinha, então, meu amigo, não tente vender um carro usado pra mim.

Entretanto, ter filhos é difícil. É a maior responsabilidade que uma pessoa pode se dar. Vejo idiotas procriando como coelhos sem ter a menor idéia do que se trata, dos desafios envolvidos, da importância da tarefa.

Vocês me desculpem, mas eu acho que dá muito trabalho, muita despesa e, mais importante, suga a liberdade. Ter filhos é uma viagem sem volta. A vida toda é um tempo muito longo. Eu sou responsável demais pra aceitar uma incumbência que não sei se poderei manter. E a nossa vida, a longo prazo, a gente nunca sabe como vai ser.

Admiro quem tem filhos. Acho que são pessoas mais corajosas que eu. Agradeço pelos futuros leitores, vou precisar deles. Agradeço pelas futuras belas mulheres, que não vão nem olhar pra um velho como eu, mas vão embelezar o mundo. Mas estou fora, sinto muito.

Meu, se vc gostou, leia inteiro. Se discordou completamente, mesmo assim, pense bem: talvez seu filho não mereça vc como pai ou mãe.

Written by Lucas Pretti

agosto 3, 2008 at 21:06

Link, 14/7

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Reportagens minhas no Link de hoje:

Blogs chegam ao cinema em tom lírico
Diretor se vê como crítico da web
Usuários do MySpace têm pré-estréia grátis

Também fiz uma crítica ao filme Nome Próprio (neste link), que reproduzo abaixo:

No filme, quem vive na internet é solitário. Será?

O texto de Clarah Averbuck é corrido. Fala rápida e precisamente de sentimentos. Pausa. Desdiz o que foi dito. Exagera. Renega. E dá uma fluidez à narrativa típica não apenas da internet, mas do mundo que propiciou a existência da cultura blogueira. Um mundo barulhento, com os Strokes tocando no fundo, o cigarro na boca e trezentos mil amores verdadeiros em uma só noite. O texto de Clarah é escuro, movimentado, entrecortado por néon e pulsa, pulsa, corre, tem pressa, a vida pode acabar antes do post.

Nome Próprio, por incrível que pareça, não tem nada disso.

O filme de Murilo Salles surpreende pela solução “pacífica”. Com a calma dos diretores maduros que encaram a loucura da conexão ininterrupta como, isso mesmo, uma loucura, ele constrói uma narrativa melancólica e reflexiva. Dos três meses de filmagem, dois tiveram apenas Leandra Leal no set. A solidão da atriz no palco contribuiu para a construção da personagem só, calada, despedaçada, buscando algo que nem ela sabe o quê. Nome Próprio é um filme silencioso.

Mas não por isso menos incisivo. A Camila Jam enxergada por Salles é uma mulher em transição. Ela só existe nas palavras que escreve, o que fica claríssimo com a opção do diretor e da redatora Viviane Mosé de escrever textos na tela. Em diversas passagens, as palavras são reproduzidas nas paredes, chão, teto. Leandra Leal realmente digita no teclado do computador o que a personagem está escrevendo. Em cenas como essa, a atriz prova ser grande. Os olhos e as reações diante do texto aparecendo no computador trazem uma fé cênica apenas encontrada no pensamento da atriz. Dentro da cabeça de Camila há o barulho, o frenesi, a música alta de Clarah Averbuck. Na tela do computador, o filtro, a literatura.

Leandra acha que Nome Próprio é, principalmente, um filme sobre processo criativo. Que consegue explorar e investigar como uma escritora contemporânea pare seus escritos. Ele é isso também, mas tem como tema latente a condição feminina pós-feminismo. Aqui Murilo Salles erra um pouco a mão. Algumas cenas parecem forçadamente chocantes, diálogos aparecem um tanto fora de contexto apenas para reafirmar quão descoladas são as garotas de hoje e que, sim, ainda há ali a obra de Clarah Averbuck.

Se, quando fala, Camila às vezes não convence, quando age, ah, aí o espectador se mexe incomodado. A personagem não tem limites, quer tudo, sempre, e agora. Pula com força no poço mesmo sabendo que pode dar com a cabeça no fundo. Se não tiver fundo, pronto, valeu a pena, o mergulho foi o melhor que poderia ser.

As influências de Clarah aparecem nas cenas de ação. Quando, por exemplo, Camila, bêbada, perdida num hotel trash da avenida São João, decide “dar” para o desconhecido de Ribeirão Preto. Mas aí decide não “dar”. Cai bêbada. O garotão investe de novo. E fatura uma mulher que pouco estava ligando para ele, queria mais é ser satisfeita, pede para ser dominada só para fugir de ter de cuidar de si mesma.

Isso tem a ver com John Fante, Paulo Leminski, Charles Bukowski. A personagem é uma mescla da melancolia de Cazuza com o risco de Hunter Thompson. Há um desafio permanente às pessoas e às situações envolvido em um não se importar, em um mau humor, uma rabugice.

Tudo isso com a necessidade de escrever. Tudo isso só faz sentido se estiver publicado na internet. Tudo isso só serve para, depois, se tornar ficção e ser consumido pelos ávidos internautas.

Murilo Salles quer tanto passar essa idéia que, no final, acaba didático demais. Apesar de ter uma certa razão.

Outros textos hoje falam sobre o Lively, do Google:

Google cria metaverso e aposta na web 3D
‘Second Life’ desaquece especulações, mas futuro da internet deve ter três dimensões

Written by Lucas Pretti

julho 14, 2008 at 15:40

American way of life, eca!

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Após a publicação deste artigo na revista Época duas ou três edições atrás, andei refletindo sobre o “pós-americanismo” tratado por Fareed Zakaria. Não que já seja uma situação consolidada, uma “nova ordem mundial”. Mas alguma coisa de anti-EUA realmente ecoa no mundo desde o 11/9.

A ficha caiu neste fim de semana, quando assisti ao já antigo (é de 2006) American Dreamz, filme que ironiza a sociedade de espetáculos em um dos mais rentáveis frutos, o programa American Idol (que no Brasil virou Ídolos e que não emplacou nenhum ídolo, só babacas adolescentes que não sobreviveram aos primeiros 15 minutos de fama). American Dreamz é um American Beauty dos anos 2000. Traduzido por aqui para Beleza Americana, o longa de Sam Mendes venceu o Oscar de 1999 com uma crítica mordaz aos costumes do Tio Sam.

Sinceramente, se assistisse ao “the dream with a z” (o ridicularizado slogan do programa fictício do filme) há uns 12, 15 anos, acharia o máximo. Bailes de formatura em que o capitão do time de basquete declara amor pela menina mais bonita da escola não me incomodavam. A crítica aos nerds, o entusiasmo dos “snickers”, o jeito molenga-malandro de andar com calça jeans e all star dos anos 80-90, a dancinha trash dos seriados Disney à la Hanna Montana… nada disso era problema. Aquilo era o mundo.

Não sei se foi o natural amadurecimento da idade ou se algo realmente mudou no mundo, mas hoje isso não passa pela garganta. Não é vergonha nem incomoda mais ser latino, as culturas européias e asiáticas (com exceçao do Japão pop, que conseguiu piorar o americanismo) têm seu lugar de honra e o Oscar, bah, não é mais “a” referência. Muito menos os musicais da Broadway e Andrew Loyd Weber.

Foi com American Dreamz — novamente a crítica feita por eles próprios — que despertei para o novo mundo. É muito melhor assim! Nada mais justo do que agradecer aos fundamentalistas de تورا بورا e aos loucos do 中国共产党.

Thanks, bin-Laden and Hu Jintao.

Written by Lucas Pretti

junho 10, 2008 at 2:55

Publicado em Contemporâneos, Crônicas

Link, 9/6

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Written by Lucas Pretti

junho 9, 2008 at 16:42

O que um coelhão pode ensinar sobre cultura livre

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Neste final de semana, o cinema deu mais um grande passo na direção da cultura livre, mas nem todo mundo ficou sabendo. Trata-se do open movie Big Buck Bunny, produzido pelo Blender Institute, que ficou disponível para download gratuito no dia 31. Open movie? É a união do cinema ao conceito open source (“código aberto”). É uma maneira nova de encarar a produção de animações, com softwares livres como o Linux, o Gimp e o de imagens 3D e renderização Blender.

Big Buck Bunny (algo como Coelhão Brincalhão em tradução livre, mas os tradutores idiotas das distribuidoras brasileiras talvez chamassem de Uma Vingança da Pesada) é um curta-metragem de quase 10 minutos feito para desenvolver o software de animação Blender, criado e mantido aos moldes do Linux, por uma gigantesca comunidade de programadores ao redor do mundo. Além do filme em si, distribuído gratuitamente, cada etapa do processo de criação também será divulgada (inclusive a produção sonora) — daí o conceito “aberto” do filme.

No extremo, isso significa que você também pode ser um animador. A não ser pela noção estética, uma dedicação monstruosa e algum tempo livre, qualquer um pode baixar de graça o Blender e se arriscar com vídeos em 3D com qualidade profissional. Revolucionário, não?

Se a forma de produção rompe padrões, o roteiro de Big Buck Bunny, não. A fórmula bichinhos fofos numa aventura engraçada é a mesma de sempre, como bem criticou o pessoal do Meio Bit. Independentemente disso, o resultado final é fascinante. O grau de realismo dos personagens, a textura, movimentos e efeitos de iluminação são quase perfeitos, como os melhores estúdios de animação, principalmente em alta definição (mas sua máquina deve ter aceleradora gráfica para rodar).

Antes do projeto do Blender Institute, outro open movie já havia sido produzido, Elephants Dream, dentro do projeto Orange. Depois da música e dos games, o cinema chegou ao universo 2.0.

Baixe Big Buck Bunny aqui.
Baixe Elephants Dream aqui.

Ou assista aqui:

[Post relacionado: Food, Fuck e Fasma, os três ‘efes’]

Written by Lucas Pretti

junho 2, 2008 at 3:21

Origami, uma senhora revista

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Volto a um assunto já tratado neste blog – uma nova revista editada em Jundiaí, no interior de SP, que chamei de “coisa cheirando a nova” no lançamento, em dezembro do ano passado. É a Origami Mag. A justificativa pela repetição de tema é o impressionante crescimento da publicação em tão pouco tempo. De um papel grande dobrável (daí o nome origami), hoje são 70 páginas (24 delas de anúncios) impressa em papel couché (caríssimo para quem não conhece coisas gráficas).

Fico pensando qual seria o segredo. Há pelo menos duas pistas – a primeira comercial e a segunda “filosófica”.

Vagner Lima, um dos publishers, é o homem do marketing, da grana. Ele não saiu do zero em contatos publicitários; é dono do MilkShakespeare Café Bistrô, de intensa penetração no universo cultural e descolado da cidade (exatamente o público da Origami). Não é tão difícil convencer anunciantes quando há credibilidade em jogo.

Além de credibilidade, sente-se honestidade na revista (algo um pouco em falta fora do universo independente blogueiro). Alguma coisa de não se deixar levar pelo comercial. A sensação de que, se os anúncios não estivessem ali, tudo bem, o pessoal faria do mesmo jeito, com o mesmo empenho, porque não é a grana que move. Empresas se interessam em patrocinar coisas assim. E “famosos” topam fácil unir a imagem a esse conceito – vide a roqueira Pitty, com uma entrevista bastante sincera na última edição.

E os leitores? Bem, a revista é gratuita (ponto pra eles). Então quem não se interessa em dar uma folheada e se deixar ser fisgado? Só há ainda um problema grande. O endereço www.origamimag.com.br só tem um aviso de “very soon” (no Orkut, são 78 membros na comunidade da revista). Pessoal, venham logo para a web. Isso não quer dizer tanta coisa, mas o post abaixo indicado, sobre o lançamento, foi o segundo mais acessado da história deste Cubo Mágico.

[Post relacionado: Origami, uma revista]

Written by Lucas Pretti

maio 26, 2008 at 1:59

Link, 19/5

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Written by Lucas Pretti

maio 19, 2008 at 16:03

Caldé e a cidade dentro de cada um

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Você certamente não sabe, mas mora em uma cidade chamada Caldé. É a cidade por trás da cidade em que você mora. Como a filosofia, que dá base para as ciências, todos os vilarejos, povoados e metrópoles estão construídos em cima de Caldé. Só há um grande problema. Caldé não foi descoberta.

Na verdade foi. Pelos poucos que já assistiram à montagem Caldé e os Peixes que Aprenderam a Nadar no Ar, com o grupo Tubos de Ensaio dirigido por Marcelo Lazzaratto. Digo poucos, mas sou inexato. O Teatro Célia Helena lotou em todos os dias da primeira temporada, em março. O espetáculo era gratuito e servia como formatura do curso profissionalizante de Interpretação Dramática. O grupo e a faculdade de atores decidiram arriscar uma segunda temporada, profissional, comercial, cuja (re)estréia foi neste sábado, 10. Depois de aclamados, os artistas agora sentem na prática o discurso de como é difícil fazer arte sem apoio de ninguém.


[Mais fotos aqui]

Assisti pela segunda vez à peça neste domingo, num teatro quase vazio, a não ser pelos 15 ou 20 conhecidos do elenco com seus acompanhantes. Quatro atores foram substituídos e o espetáculo ficou melhor ainda, um dos mais tocantes, líricos e transformadores em que já estive. Saí de lá com a certeza de que, como encarecidamente os atores pediram, é preciso divulgar a peça, vencer pelo boca-a-boca a mídia repetitiva e fechada aos não-famosos. Simplesmente porque todos (você também) precisam ver Caldé.

O espetáculo é riquíssimo. Trata de um povoado isolado numa montanha qualquer que sabe ter seu fim próximo, já que uma movimentação tectônica ameaça a cidade, que será alagada a qualquer momento. A partir da noção do fim, cada personagem se transforma. Difícil explicá-los porque as nuances são infinitas. A recatada vendedora de flores resolve dizer as verdade nunca ditas. O assessor puxa-saco e cheio de tiques e manias resolve abandoná-las; percebe que consegue viver sem elas. O cientista cientificista ouve os conselhos, pára de questionar Deus, e cancela as mesquinharias que distribuía por aí. O mais realista de todos é a quem ninguém dá ouvidos: o retardado, garoto com doença mental. Diante da iminência de Caldé submergir, ele quer apenas aprender a respirar embaixo d’água.

A relação entre os personagens é muito bem construída pelo grupo, sob supervisão de Lazzaratto (também escrevi sobre ele aqui). Foram os atores coletivamente que criaram Caldé, com base nas obras de Dario Fo, Fellini e Modigliani. Isso dá ainda mais qualidade ao espetáculo, com momentos técnicos fabulosos. Os atores congelam as cenas para dar ênfase à determinada fala, estão milimetricamente integrados quando há movimentos conjuntos e a fé cênica é tão presente que nos sentimos realmente em Caldé.

Bem, na verdade estamos. Ou você nunca resolveu acreditar numa mentirinha para viver melhor? Não reparou que a herança que deixamos não são só bens materiais? Ou que, mesmo após uma catástrofe na vida, tudo se ajeita, o fluxo continua, as coisas não mudam tanto assim?

Descubra Caldé. Porque Caldé está dentro de você.

Sábados (20h30) e domingos (18h), no Teatro Célia Helena (mapa) (3209.0470)
$ 20 / $10 (estudantes, professores e idosos)
Até dia 1 de junho

Elenco: Adriano Motta, Carla Kinzo, Felipe Mello, Guta Fernandes, Jonaya de Castro, Daniela Caielli, Carolina Fabri, Pedro Lopes, Marina Vieira, Léo Stefanini, Rodrigo Spina e Sheila Mello.

Direção: Marcelo Lazzaratto / Assistente de direção: Gisele Valeri

Dramaturgia: Pedro Lopes, Felipe Mello e Os Tubos de Ensaio

Cenografia: Ulisses Cohn

Figurino: Atílio Beline Vaz

Iluminação: Marcelo Lazzaratto

Trilha sonora: Rodrigo Spina

Preparação corporal: Ana Thomas

Preparação vocal: Nydia Licia

Written by Lucas Pretti

maio 12, 2008 at 2:07

O mundo é real

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Se há uma característica da internet mais importante que a possibilidade de comunicação ágil, formação de redes sociais etc., é a capacidade de armazenamento de informações. Essa introdução toda chata uso para dizer que soube só agora de um post do Alexandre Inagaki de dezembro de 2005, falando de uma tirinha apócrifa do Calvin que circulava na web na época. Um fã do personagem criado por Bill Waterson fez o que seria realmente a última história – o dia em que ele deixa de ver Haroldo como um tigre vivo. O fim da magia. Veja:

calvinapocrifo.gif

É incômodo pensar em quantos lares com crianças hiperativas isso realmente aconteceu. A mãe buscaria ajuda médica/terapêutica, censuraria as criações do filho, moldaria a criança à sociedade. E ela se transformaria um de nós…

[Post relacionado: Calvin & Hobbes]

Written by Lucas Pretti

março 10, 2008 at 12:32